Lembranças Formativas 2 - As lembranças aqui expostas são formativas porque produzem corpo/pensamento.
Eu estudava em uma escolinha do bairro onde vivi praticamente toda a minha vida. Uma escola particular, pequena e com um prestígio na região. Refletindo sobre as lembranças dessa escola, o que era considerado bom na época receberia críticas da minha parte pensando hoje como psicóloga comprometida com uma educação democrática.
Estava na 3ª série e esta
lembrança continua sendo boa ainda hoje. Havia chegado na escola um novo
professor de Educação Física. Achei ele lindo! Todas a meninas confessaram isso
depois. E o que também notei rapidamente é que ele tinha uma vibração, um jeito interessante enquanto
educador, que eu desconhecia, além de um visual menos careta que o das outras
professoras. Era a primeira vez que eu tinha um homem como professor. Muita
novidade.
Na sua apresentação, ele logo disse
que fazia parte de um grupo de teatro e eu ainda não sabia o que isso ia
significar. As aulas de Educação Física fazíamos na rua onde ficava a pequena
escola. Ele propunha uns exercícios de aquecimento, alongamento bem mais
refinados que a outra professora passava. Era mais como uma recreação o que a anterior nos propunha. O tom da aula dessa professora era como se estivéssemos fora do
horário de aula brincando e uma das coisas que fazíamos bem nesse bairro nos anos
90 era brincar na rua... a tarde e a noite eram poucas para nós.
Além desses exercícios mais elaborados que o professor passava ele também nos propunha jogos teatrais. Eu não me lembro dos jogos que ele passava, mas ele incentivava muito nossa expressão corporal. Eu não entendia muito bem, achava engraçado. Ele intencionava que fosse engraçado e junto com a graça havia muita liberdade da sua parte em fazer movimentos considerados esdrúxulos. Mais uma vez, a fascinação. Mesmo que minha atitude fosse de mais timidez do que de fascinação. Certa vez, ainda na 3ª série ele me perguntou “Janaina, vc faz balé...alguma dança?” eu disse que não. Eu ainda não tinha entrado para a minha primeira escola de dança. Ele continuou “é porque você tem uma anatomia de pés e pernas que parece que você pratica alguma modalidade de dança.” Eu não sabia o que aquilo queria dizer. Mas me alegrou.
Passado algum tempo, a empresa que
meu pai trabalhou inaugurou um projeto de “escolinha” de esportes que recebia
os filhos dos empregados no contra-turno da escola. Então, minha mãe me
matriculou na dança e meu irmão foi para a natação. Não lembro como foi essa
escolha, mas não foi nada conflituosa. Hoje percebo o quanto essa vivência
direcionou os meus interesses.
Eis que o professor pergunta depois
de um tempo a mesma pergunta – será que ele havia esquecido? Bom, eu não falava
muito na aula dele mesmo. Aquela presença para mim era muito grandiosa, eu era
só admiração. Observava suas propostas e a maneira despojada que ele falava e
gesticulava, diferente da caretice das outras “tias”. Eu era uma criança
observadora. Foi a primeira vez que minha sala começou a chamar o professor de
“professor”. Ele não era “tio”. Será que foi ele que propôs essa mudança? Mas era bem
evidente que não havia uma intenção “paternal” da parte dele. Acho que não foi
exatamente um acordo, minha memória não será fidedigna, mas fico com a sensação
que foi um acordo que aconteceu, só aconteceu. Não havia como chamar ele de
“tio”, a maneira como ele se colocava não dava essa brecha. Então, a pergunta veio novamente “Janaina, você faz dança?” - Acho que eu queria que me perguntassem isso a todo
instante. Eu, orgulhosamente, respondi. “Sim, comecei há pouco tempo.” Ele “Bem
que percebi pela sua habilidade em fazer os alongamentos”. Eu ganhei o dia.
Exercitar essas memórias está sendo
surpreendente, eu começo a escrita com uma intenção e outras lembranças chegam,
detalhes que não estão tão marcados quanto a memória inicial, daí a vontade de
fazer vários parênteses.
(texto originalmente postado em 2018 no Facebook e adaptado em 2020 para este blog.)
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