Pular para o conteúdo principal

Lembranças Formativas 3

(texto originalmente publicado no Facebook em 2018 e adaptado para este blog em 2020)


Em 2012 fui fazer um estágio numa clínica psiquiátrica na França, La Borde. Conhecida de muitos psis, principalmente daqueles que tiveram contato com a Psicologia Institucional e Esquizoanálise, a clínica propõe um acolhimento aos usuários (pensionères) de maneira que foge aos modos manicomiais excludentes e discriminatórios e esta proposta surge a partir do movimento de reforma psiquiátrica francesa após a Segunda Guerra.

A clínica tem atividades educativas, festivas etc. E uma que tem voltado à minha memória estes dias foi o "Bar Brasil". As pessoas de La Borde gostam muito do Brasil, há franca manifestação de curiosidade e carinho. Para os pensionistas da clínica  mesmo os trabalhadores nós, no Brasil, falamos "brasileiro" e não português. Concordo. Amam brigadeiro, acham uma riqueza de guloseima. Un jour, une amie ma demande "quelle est la relation entre 'brigadeiro' et 'obrigado'?". Até então eu não tinha feito nenhuma relação, mas para ela eram sons muito parecidos. C'est vrai. Como é "la même chose pour moi" "vinte", "vento" e "vinho".

Nós, os estagiários, organizamos o Bar Brasil. Teve bolo de milho, de cenoura com calda de chocolate, brigadeiro, suco de limão, de laranja, cafezinho e acho que vitamina de coco. O ambiente estava festeiro. Até porque coloquei uma trilha sonora popular, lembro mais vivamente do samba. Eu estava bem animada e literalmente botei os franceses pra sambar. Também estava um pouco tímida com aquela alegria toda, mas é sempre mais forte que eu. É bem melhor quando admitimos qual é a nossa força. Eu vou aos lugares e ponho o povo pra se mexer. Não seria diferente na França. E eles estavam era gostando muito.

Peguei a vassoura ( inspirada numa tia minha que fazia isso, e ela ainda colocava um pano de prato para ser a bandeira) e disse: agora eu vou ser a Porta-Bandeira. Quem vai ser Passista?

Eles surpresos: Au Brèsil vous dancez avec le balai?

Eu: Bien sûr, pourquoi pas?

Nous nous amusons beaucoup.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mutações

Nossa vida é cheia de mudanças e essas mudanças acontecem no nosso mundo interno e, com certeza, no externo.  Uma nova situação, uma nova exigência social, por vezes, nos convoca a uma nova forma-jeito para ser e estar no mundo. Ou então, é o mundo interno que muda e precisamos buscar novos comportamentos e ambientes para que haja uma composição que seja mais encaixada com tais mudanças pessoais. As mutações acontecem nesses momentos e podem acontecer mais ou menos com nossa participação ativa e consciente. Compreender a vida do corpo se tornou a chave para que eu possa ser um pouco mais dona da minha vida. Falo isso com humildade, porque sou (somos) atravessados por dinâmicas que extrapolam nossa vida pessoal e que nos impactam diretamente e à nossa revelia, mas quando nós aprendemos que nosso corpo vivo segue um padrão comum à vida no planeta que é mutar e seguir, podemos influenciar um pouco as nossas tendências a determinados comportamentos que não são mais adequados à nova situaçã

Arte, clínica, desejo e Camarón!

Recentemente vi dois documentários sobre Camarón de la Isla na Netflix, um é um filme, “Camarón – The film” e outro uma série de uma temporada, “Camarón – Revolution”. Aproveito para deixar como dica cinematográfica. No documentário é possível notar a mitificação do artista, já no filme, sua humanidade aparece mais, pois também aparecem mais suas contradições e situações de vida cabíveis a qualquer ser humano. Ao trazer este artista o que quero abordar é a intersecção entre a arte, a clínica e a micropolítica ativa do desejo. Suely Rolnik distingue as políticas do desejo em ativas e reativas, e esta diferença se dá, ela diz, pelo grau de submissão a que tais micropolíticas estão submetidas ao regime de inconsciente dominante ao qual ela chama de Inconsciente Colonial Capitalístico.   Quem foi Camarón de la Isla? José Monje Cruz deveio Camarón. Este foi um grande cantor de flamenco nascido em Cádis, região andaluza da Espanha. Ele trouxe um novo paradigma para essa arte quando se

Visita ao Sítio Histórico de Queimado - Serra - ES