Risco I - trecho retirado da minha dissertação de mestrado (2016) Gritaram-me negra: processos formativos da Negritude.
Tinha entre sete e oito anos e uma lição de casa de História para fazer. O tema da
lição tinha a ver com a invasão portuguesa no atual território brasileiro. O texto que
antecedia às perguntas que eu deveria responder descrevia o modo como os índios
viviam; seus costumes e sua cultura. De alguma forma romantizavam os índios e
colocavam seus valores como menores. Os portugueses, que nada tinham de invasivos,
naquele texto apenas descobriram o Brasil, depois catequizaram os índios, enquanto
lhes colocavam roupas para esconder “suas vergonhas”. Recorri a minha mãe para me
ajudar não me lembro exatamente em que aspecto da lição, mas em algum momento ela
disse me (a)-(r)-riscando até hoje “para o índio, homem branco é todo mundo, mesmo
se a pessoa for negra, tiver a pele escura, para os índios estes também serão homem
branco”. Uma grande interrogação pairou sobre minha cabeça. Se eu fosse um mangá
todos veriam. As perguntas vieram ao mesmo tempo, num bloco só: Como assim
homem branco é todo mundo? E as mulheres também eram homem branco? Como
assim dividem as pessoas em negras e brancas e vem o índio que anda pelado e põe todo
mundo no mesmo lugar? Perguntei a ela o porquê. Ela me disse que era porque eles não
viviam como nós e que, quem não pertencia à cultura deles, classificavam como homem
branco. Havia na fala da minha mãe uma posição que a colocava ao lado dos índios,
pois algo em sua resposta revelava que o homem branco era aquele que destruía e
desvalorizava a cultura indígena.
A professora não mencionou nada sobre isso no outro dia, mas eu sempre achava
as coisas que minha mãe falava muito mais interessantes e importantes do que as da
professora.
Dois anos depois minha mãe disse que as bruxas existiam e eu levei essa
informação para a sala.
A professora de português não conseguiu refutar minha posição
na aula em que ela ensinava sobre os substantivos concretos e os abstratos. Bruxa para
minha mãe e para mim era substantivo concreto. Todos os meus colegas de sala
concordaram comigo.
Lições aprendidas: todo mundo no Brasil que não era índio era homem branco; as
bruxas existem.
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